Saramago e a pandemia

por | 16/05/2020 | Destaque, Austeridades | 5 Comentários

Autor(es): José Saramago

Lançamento:

Saramago na foto icônica, pelas lentes do brasileiro Marcelo Buainain

No campo da economia, a palavra austeridade está relacionada à aplicação de um controle rígido nos gastos, principalmente em casos de desequilíbrio e instabilidade. Passa-se um pente fino nas despesas, eliminando tudo que não seja considerado essencial. A austeridade é uma exigência na renegociação de dívidas, mostrando ao credor que os problemas estão sendo levados a sério. É ser realista, manter os pés no chão e a responsabilidade em dia.

Existem autores que são austeros na escolha de seus temas. Nesse momento de 2020, haverá a corrente dos que buscam escrever sobre mundos fantásticos e futuristas, para dar um pouco de sossego à mente, e haverá o grupo dos que consideram impossível escrever sobre algo senão a crise.

Não consigo escolher um escritor favorito, mas José Saramago é, de longe, o autor que mais li até hoje. E o que mais me interessa em sua obra é a capacidade de colocar personagens em situações extremas e testar os limites do comportamento humano. Saramago não era tão otimista em relação a esse comportamento e costumava deixar o gosto amargo da humanidade desunida, frágil e sem compaixão em suas histórias.

Em “Ensaio sobre a cegueira“, vê-se o egoísmo e a crueldade desabrocharem com a doença;
Em “O homem duplicado”, a natureza aproveitadora e chantagista do homem;
Em “As intermitências da morte”, a incapacidade governamental de lidar com o imprevisto;
Em “Memorial do convento”, a exploração dos pobres e a corrupção no meio religioso;
Em “Clarabóia”, os conflitos e mesquinharias que aparecem quando as pessoas estão restritas ao ambiente doméstico.

Foto: Diego Plubins

Farei então um exercício: pegarei o único livro de Saramago que tenho na minha prateleira e ainda não li, O ano da morte de Ricardo Reis. Hoje é dia 4/05/20, cuja soma de algarismos é 29. Abrirei na página 29. Vejamos.

… e esta notícia, O presidente da câmara do Porto telegrafou ao ministro do Interior, em sessão de hoje a câmara municipal da minha presidência apreciando o decreto de auxílio aos pobres no inverno resolveu saudar vossa excelência por essa iniciativa de tão singular beleza, e outras, Fontes de chafurdo cheias de dejetos de gado, lavra a varíola em Lebução e Fatela, há gripe em Portalegre e febre tifoide em Valbom, morreu de bexigas uma rapariga de dezasseis anos

Auxílio governamental aos mais necessitados, doenças se espalhando. Parece que a visão de Saramago não conhecia limites, ou então foi a história humana que se tornou repetitiva. Sinto que alguns autores nos deixam com dívidas. Há poucas coisas que eu gostaria mais de ler do que a opinião de Saramago sobre a pandemia mundial de saúde.

O que você diria, mestre?

 

Gostou do post? Deixe seu comentário e siga-nos nas redes sociais para ter acesso a conteúdos exclusivos!

Compartilhe!

Diego Plubins

Engenheiro por fora e de humanas por dentro. Um carioca que fala de livros e estuda as possíveis conexões presentes no mundo da arte.

5 Comentários

  1. Rodrigo

    Intrigante, no mínimo.

    Responder
    • Diego Plubins

      Até mais do que eu esperava!

      Responder
  2. Denise Danon

    Uau!! Adorei a coincidência do texto. Os tempos se repetem, sejam eles bons ou difíceis! Grande Saramago!

    Responder
    • Diego Plubins

      Confesso que fiquei um pouco chocado com a coincidência também! Esperava encontrar algo bom, mas foi perfeito. Saramago era fantástico!

      Responder
  3. Jussara

    Perfeito!

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados

Jorge Amado

[caption id="attachment_1158" align="alignleft" width="300"] Jorge Amado e Zélia Gattai em Moscou, em 1951. Foto: Reprodução Folha Ilustrada[/caption] Provisoriamente, conteúdo do Instagram Jorge Amado (1912-2001), um dos ícones da literatura brasileira, é o autor mais adaptado do cinema, teatro e televisão nacionais e também um dos mais traduzid...

Brasil redescobre a poesia da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen

Escritora foi militante contra o fascismo Sophia, simplesmente Sophia. Em Portugal, até as crianças do ensino básico sabem de quem se trata. Consagrada em seu país, a escritora e poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 1919-Lisboa, 2004) é autora de clássicos infantis, como “A Fada Oriana” e "A Menina do Mar", além de contos e ensaios.  S...

Newsletter

Newsletter

error: Conteúdo Protegido