Do Poetinha Vinicius de Moraes

por | 04/04/2020 | Poesias | 0 Comentários

Autor(es): Vinicius de Moraes

Lançamento: 1954

Selecionei três poemas do livro “Antologia Poética”, de Vinicius de Moraes (1954), edição da Companhia das Letras.

Soneto de fidelidade, de 1939, que talvez seja o mais famoso de todos os seus poemas, e que contrapõe a finitude com uma intensidade absoluta do amor de maneira magistal. Depois o belo Soneto da rosa, composto em 1954. E pra fechar, um poema de protesto, também de 1954, que foi eternizado na voz de Ney Matogrosso, A rosa de Hiroshima (álbum “Secos & Molhados”, 1973, com música de Gerson Conrad – ver video no final do post).

 

Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

 

Soneto da rosa

Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como o astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.

E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora

Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude

Para que o sonho viva da certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza.

 

A rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

 


Ney Matogrosso interpeta “A Rosa de Hiroshima”, no 28º Prêmio da Música Brasileira (2017), Theatro Municipal do Rio de Janeiro

 

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Mariana Gago

Advogada e entusiasta do papel transformador dos livros. Idealizadora e editora do projeto Recanto da Literatura.

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